quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Batalha de Ibirocaí (19 de Outubro de 1816)


A Campanha
Após ter conhecimento da vitória na batalha de S. Borja que frustrou o sítio da vila de de S. Borja e a tentativa de invasão da região das Missões, o tenente general Joaquim Xavier Curado pode pensar em atacar uma coluna do coronel José Antonio Berdún (1778-1837) que atuava já há algum tempo na área de Ibirocaí, na região entre Alegrete e Uruguaiana. 

Berdún, com cerca de 700 homens, estava já há pouco menos de um mês a norte do rio Quaraí, bem firmado em território português com objetivo apoiar André Artigas e Sotelo no avanço oriental sobre a região das Missões, assim como decerto a demonstrar ao corpo principal português no arroio Ibirapuitã, que defendia os importantes passos onde estão hoje as cidades de Rosário do Sul e Alegrete. Começou postado no arroio de Tres Cruces, na fronteira das atuais cidades de Artigas/Quaraí, mas por volta de 19 de setembro entrou no Rio Grande.

O general José Artigas mantinha-se com o grosso das forças orientais na área do arroio Arapeí e da mais importante fronteira de Santana/Rivera, situação que só seria resolvida, em favor dos portugueses, com a batalha de Carumbé, oito dias depois.

A Batalha
A 13 de Outubro, o tenente general Xavier Curado, já com conhecimento da vitória de Abreu a norte, destacou uma força de cerca de 480 efetivos, maioritariamente cavalaria (com era regra para ambos os exércitos neste teatro de operações), sob o comando do brigadeiro graduado João de Deus Mena Barreto, comandante do Regimento de Milícias a Cavalo do Rio Pardo (um de 3 existentes na capitania), constituída desse regimento e de alguns esquadrões do Regimento de Milícias a cavalo de Porto Alegre, um destacamento de infantaria e de artilharia, respetivamente do Regimento de Santa Catarina e da Legião de São Paulo, em direção ao rio Ibicuí a procurar Berdún e atacá-lo. 

Fazer Berdún recuar de volta à sua posição inicial, em Tres Cruces, de volta a território oriental, significaria aliviar de vez a pressão na ala direita e manter o foco principal nas tropas de José Artigas na área do que é hoje a cidade de Santana do Livramento, as mais significativas em termos de número e experiência.



* * *
Transcrição da Parte Oficial do brigadeiro João de Deus Mena Barreto, sobre a Acção de  Ibirocaí

Como me não foi possível dar parte a V.E. da Acção travada com o inimigo no dia 19 de Outubro corrente, em consequência de ter sido baleado no braço esquerdo, que nao só me atenuou com imensas dores, como me causou algum desfalecimento, pela muita efusão de sangue, foi o meu Tenente Coronel [António Pinto da Fontoura], e meu imediato a quem encarreguei de fazer esta participação a V.E., e como ela foi  feita imediatamente, que se concluiu a Acção, e no meio do barulho, impossível foi também em tal ocasião o entrar em detalhes, e miúdos exames. Torno portanto a por na presença de V.E., a mesma acção com todas as circunstâncias desta Batalha tão terrível ao inimigo, e de tanta glória para as nossas armas.

[18/10] No dia 18 se me apresentaram dois desertores do inimigo, e tendo-me acompanhado nas imediações de Pai Passo [arroio a leste de Ibirocaí, próximo ao Ibirapuitã], estes me informaram, que as suas forças estavam acampadas na costa do Ibirocaí em numero de 700 homens, e mais comandados pelo coronel Berdún.  

[18/10 – noite/19/10 – manhã] Nessa mesma noite marchei, aproximando-me àquela posição, e consegui chegar pouco depois de sair o sol no dia 19 a uma légua de distância [c. 6.6. quilómetros) dos insurgentes.

Eu marchava em três colunas, duas de cavalaria nos dois flancos, e a de infantaria no centro, fazendo a avançada 80 homens de cavalaria, comandada pelo tenente Bento Manoel [Ribeiro].

Então se me apresentaram 200 do inimigo sobre a coxilha, os quais a minha avançada repeliu com muito valor, e vendo eu a desigualdade de forças, e conhecendo o estratagema do inimigo mandei a reforçar com dois meios esquadrões da direita, e esquerda, pondo à testa deste corpo avançado o sargento mor Francisco Barreto Pereira Pinto, o qual atacando o inimigo, lhe matou 18 homens, e feriu perto de 50, fugindo estes  com o resto a unir-se ao grosso de suas forças, que se achavam em [...] distância. Os feridos ganharam o mato, e é provável, que muitos perecessem. 

Mandei que a minha avançada não perseguisse os debandados, e eu continuei a mesma ordem de marcha de coluna.  
Desenvolvi sobre o centro, nesta ocasião a artilharia atirou contra o inimigo com muita vantagem, e a infantaria soube responder à infantaria do inimigo com  um vivíssimo, e bem dirigido fogo.  

Entretanto observei o apoio, que tinha a infantaria inimiga, e portanto retrogradei a minha linha para os chamar a terreno perfeitamente plano e unido.
Então o inimigo atribuindo a medo a minha marcha para a rectaguarda, avançou sobre a frente, e perdeu a vantagem, que eu lhe observava.

Enquanto durou o fogo, o inimigo fez diferentes tentativas de voltear os nossos flancos, porém todas lhe foram repelidas pelos nossos vigorosos, e atrevidos flanqueadores o capitão João Machado de Bettencourt, e o tenente Bento Manuel [Ribeiro].

De repente e quando o inimigo, vendo no chão para a vanguarda as mochilas da infantaria, se persuadiu, que eram mortos, e estava com esta ilusão muito animada aquela desgraçada gente, ataquei toda a sua linha com a cavalaria, e infantaria. Ao ataque vigoroso  dos nossos valentes soldados, seguiu-se a mais decisiva, e gloriosa vitória.

A sua cavalaria desordenou-se e fugiu debandada sendo perseguida na distância de uma légua [c. 6.6. quilómetros) pelo sargento mor Francisco Barreto [Pereira Pinto], e a sua infantaria foi feita em postas.

Finalmente a sua gritaria, e entusiasmo se tornaram com espanto, e medo, e o seu toque de degolar se verificou contra eles mesmos. Onze dos seus oficiais  foram mortos, entrando neste numero quatro capitães.

Perderam quase todo o armamento, e perderiam a cavalhada, se de antemão a não tivessem mandado para a costa de [rio] Quaraí, com as famílias, e mais roubos feitos com todo o distrito de Entre-Rios.

O número dos mortos, contados no campo da batalha chega a 238, além dos que morrerão na debandada, e dos muitos gravemente feridos, que deveriam nos matos, e no campo também morrer.

Estes insurgentes pelejam como desesperados: a sua infantaria é constante; porem a sua cavalaria de pouca força. Devo notar, que eu apenas tive em linha 450 homens, entrando os flanqueadores; pois que o resto das minhas forças apoiava, e fazia a guarda da cavalhada.

Sou obrigado a fazer justiça geralmente ao valor, e bizarria dos oficiais, oficiais inferiores [sargentos], e soldados dos diferentes Corpos, que formam esta divisão: todos queriam ser dos primeiros em atacar o inimigo, sem lhe fazer o mais pequeno remorso, ou terror a obstinação, a superioridade das forças inimigas. Devo contudo um obséquio da verdade recomendar o valor, e boas  disposições do tenente coronel António Pinto da Fontoura, e do sargento mor Francisco Barreto [Pereira Pinto], que não só dirigiram com muito denodo e ordem as alas direita e esquerda, como até geralmente se empenharam no ataque de toda a  linha. São dignos de maior atenção o capitão João Machado de Bettencourt, e o  tenente Bento Manuel [Ribeiro]. Estes oficiais cumpriram com discrição, e valor os seus deveres.

São igualmente dignos de louvor o tenente de artilharia de São Paulo Bento José de Morais, e o alferes do Regimento de [Infantaria de] Santa Catarina, Zeferino António, que comandando cada um huma peça de artilharia, dirigiram os seus tiros com muita habilidade, e fizeram muito horror ao inimigo.
Estimo esta ocasião de dirigir a presença de V.E. a parte de uma acção tão gloriosa; e a o mesmo tempo tão necessária para o sossego do país de Entre-Rios inteiramente assolado pelos bárbaros insurgentes.
Dos nossos morreram unicamente um do Regimento de [Infantaria de] Santa Catarina, e um miliciano: e foram feridos 19.

Em tudo o mais me reporto à parte dada pelo meu Tenente Coronel, recomendado novamente a V.E. a fidelidade, e o valor do Capelão do meu  regimento o Reverendo Feliciano José Rodrigues Prates.

O feliz resultado desta acção tão renhida, e com tão pequena perda da nossa parte, é mais uma prova sem réplica, de que o grande Deus, o senhor dos exércitos cobre com a Sua omnipotente mão direita as armas dos fiéis Portugueses, para glória do mais justo de todos os soberanos.  

Deus Guarde & Campo de Ibirapuitã  24 de Outubro de 1816.
(Assinado) João de Deus Mena Barreto.


* * *

Ordem de Batalha e Baixas

IBIROCAÍ (19/10) (Baixas portuguesas)

MORTOS
FERIDOS
Ação
OFICIAIS
PRAÇAS
OFICIAIS
PRAÇAS
Reg Mil Rio Pardo
0
1
7
14
RegInf S. Catarina
0
1
0
1
Reg Mil
Porto Alegre
0
0
0
1
Total
0
2
7
16


Tropas Portuguesas (Exército do Brasil): Capitania do Rio Grande de São Pedro 
Comandante: Brigadeiro João de Deus Menna Barreto (Rio Pardo), 480 homens

- Regimento de Infantaria de Santa Catarina, 150 (Granadeiros): tenente Zeferino António (comanda uma das 2 peças de artilharia).
-Regimento de Milícias do Rio Pardo, cavalaria: 
- Regimento de Milícias de Porto Alegre, cavalaria, 300 efetivos: tenente coronel António Pinto de Fontoura; sargento mor Francisco Barreto Pereira Pinto
- Guerrilha de Voluntários, cavalaria, 30
- Legião de Tropas Ligeiras (São Paulo), Artilharia, 30 efetivos + 2 peças de calibre 3: tenente José de Morais

Tropas da Liga Federal
Comandante: Coronel José Antonio Berdún

Biografias
Tenente general JOAQUIM XAVIER CURADO
Brigadeiro graduado JOÃO DE DEUS MENNA BARRETO
Coronel JOSÉ ANTONIO BERDÚN

Fontes
- Comisión Nacional Archivo Artigas, Archivo Artigas, Montevideo, Monteverde, t. 31: pp. 364-367
- Diogo Arouche de Moraes Lara, “Memória da Campanha de 1816”, in: Revista trimensal de historia e Geographia, ou, Jornal do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, n.º 27, Outubro de 1845

Imagem (de topo)
- Panoramio.com: Pôr do sol BR290 [entre os arroios Inhanduí e Ibirocaí], por Manoel Viana.

Sem comentários:

Enviar um comentário